segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Entre anjos e humanos. (Título provisório)

Era uma das piores noites do mês, caía uma chuva muito forte a cada minuto que passava, parecia que a intensidade da tempestade aumentava mais e mais.
Não havia nenhuma alma viva na rua e niguém se atrevia a sair do conforto de suas casas para enfrentar aquele tempo traiçoeiro. Os relâmpagos traziam uma claridade ofuscante para dentro do quarto, que sincronicamente clareava e escurecia em um rápido intervalo de tempo.
Apesar do enorme barulho que a chuva fazia, o quarto estava quieto e sombrio. Parecia que o tempo tinha parado e toda a vida que restara naquele cômodo tinha desaparecido. Contudo, eu estava um pouco ansiosa, esperando que aquela noite acabasse e trouxesse um novo dia, cheio de luz, felicidade e uma surpresa que Arthur, meu namorado, tinha mandado pelos correios e que eu estava esperando há uns três dias.
A noite parecia não ter fim, de hora em hora eu olhava para um pequeno relógio que jazia em cima do criado-mudo, ao lado da cama. Mas o mundo tinha parado para apreciar o barulho da chuva. Não aguentando mais a ansiedade que me corroia por dentro, levantei e fui até a cozinha. O corredor estava totalmente escuro, um breu, como se fosse um túnel que me levava ao nada. Fui à sala de estar, dei uma olhada na rua, pela janela, continuava sem niguém.

Eu morava em uma casa grande, com três quartos, cada quarto com sua suíte, duas salas, uma cozinha espaçosa e uma grande varanda. Atrás da casa, havia um amplo quintal, sem muita utilidade, já que o clima da cidade era frio o ano inteiro. Mesmo assim, era um lugar muito bonito. Tinha alguns pinheiros, que graciosamente enfeitavam o local.
De repente um barulho que vinha da sala, me despertou e me tirou do transe em que me encontrava. Tomei um susto e corri até lá pra ver o que tinha acontecido. Eram Murilo e Fritz, os gatos da minha irmã que, assustados com o temporal, tinham derrubado um jarro que se encontrava em cima de uma pequena mesinha de madeira. Depois do ocorrido, voltei ao meu quarto, peguei um livro e comecei a folhear-lo, na esperança do tempo passar mais depressa.
Quando acordei no dia seguinte, a chuva tinha parado, mas o tempo continuava nublado e fazia muito frio. Tomei um banho bem quente, peguei a mochila da escola e desci para tomar café da manhã. Quando sentei a mesa, a campainha tocou, logo voltei a pensar na surpresa. Minha mãe se levantou e foi atender, era o carteiro. Assim que voltou minha alegria desmoronou, mais um dia se passara e nada da encomenda de Arthur chegar.
Cheguei ao colégio um pouco atrasada e fui recebida com um “C” negativo em matemática. Para piorar, quando coloquei o pé fora do colégio, um carro passou em uma poça d’água e me encharcou com aquela água suja. Cheguei em casa ensopada, fui direto para o quarto, troquei de roupa, peguei um livro e deitei na cama. Uma hora depois, minha mãe entrou no quarto com um envelope na mão e disse que o carteiro tinha voltado para entregar o telegrama que houvera esquecido. Meu coração foi a mil por hora de felicidade, pulei da cama, larguei o livro no chão e corri para pegar a carta. A abri e comecei a ler, meus pés tremeram e caí, em choque, na cama. As lágrimas rolaram no meu rosto sem que eu percebesse, perdi as forças do meu corpo e a tristeza se apossou de mim. Não podia acreditar naquilo, reli o telegrama várias vezes e todas as vezes que lia, as lágrimas caiam mais fortes e sentia um aperto sufocante no peito. Aquela vida não fazia mais sentido para mim, o meu grande amor havia falecido e nada mais me importava.

Nós nos conhecemos em uma festa de aniversário de um amigo que morava na cidade vizinha. Quando eu o vi pela primeira vez, senti que algo aconteceria entre nós. Fiquei olhando-o por um tempo, logo ele percebeu e veio falar comigo, fiquei com um pouco de vergonha porque desde que tinha entrado na festa e o tinha visto, não conseguia parar de olhar para ele, mas mesmo assim arranjei coragem e nós conversamos a noite inteira, nos tornamos amigos e logo depois começamos a namorar. Foi a melhor época da minha vida e agora tudo aquilo tinha acabado. Embora fosse meio controverso, consegui dormir e tive sonhos com ele me dizendo para ter cuidado, pois algo de ruim poderia acontecer comigo.
No outro dia, logo cedo, peguei um táxi e fui ao cemitério, onde estava acontecendo o funeral. O dia estava muito nebuloso e a chuva ameaçava cair a qualquer momento. O cemitério era enorme, com muitas árvores e estátuas de anjos que se espalhavam por toda parte Anjos tristes, anjos felizes, anjos de todos os tipos, que, de alguma forma, tentavam amenizar o sofrimento daqueles que ali se encontravam num luto impenetrável. Aproximei-me do caixão para dar uma última olhada. Nessa hora as lágrimas caíram desgovernadamente. Ele parecia que estava dormindo, olhei-o mais uma vez e sai de perto, pois não aguentava aquela angustia que amassava meu coração, deixando-me sem ar. Quando estavam colocando o caixão no túmulo, a chuva desabou. Na minha cabeça tocava uma melodia melancólica que me deixava mais triste à medida que o tempo passava. Os pássaros, apesar de toda aquela chuva, continuavam nos galhos das árvores, sem, ao menos, se proteger da intensa quantidade de água derramada do céu. Cantavam de um jeito fora do normal, um lamento comovido de terrível beleza. Parecia que a música vinha de dentro de seus corações, parecia que eles podiam compreender o que estava acontecendo, parecia que eles estavam fazendo sua última homenagem a Arthur, meu eterno amor. O túmulo foi fechado, todos foram deixando o local, mas eu fiquei. Não sabia quanto tempo tinha ficado ali, nem porque o meu próprio luto estava me corroendo por dentro. Nunca sentira nada tão ruim quanto senti durante todo aquele tempo em que os pássaros soltavam seus lutos em forma de canto, o mundo desabava em forma de chuva e eu perdia a pessoa mais valiosa da minha vida.
Passado mais tempo, não sei quanto, um homem dizendo que era primo de Arthur, foi se aproximando, falou que compreendia a dor que eu estava passando e se ofereceu para me levar até em casa. Hesitei por um instante, mas como ele tinha falado que era primo de Arthur e eu não estava em condições de pegar um táxi, resolvi aceitar. No carro ele perguntou minha idade, com quem eu morava, o que fazia; com um pouco de ingenuidade e todo o sofrimento que estava passando, respondi tudo sem perceber a maldade que o cabia. Por um breve momento senti um cheiro forte e não consegui ver mais nada, desmaiei e fiquei assim por um longo tempo.
Quando acordei, estava tonta e desorientada, mais percebi que me encontrava numa floresta escura e densa. Tentei me levantar, mas estava amarrada em uma árvore. Tentei gritar, mas meu grito foi abafado por uma mão e logo depois minha boca foi tampada com uma fita adesiva. O reconheci, era o homem que me oferecera a carona. Ele se aproximou do meu rosto e colocou um lenço no meu nariz, mais uma vez tudo ficou escuro e eu desmaiei.
Muitas vezes, vi Arthur caminhando em minha direção, ele tocava meu rosto, tentava desatar os nós, como não conseguia, ele desaparecia. Depois sonhei que estava em um campo, num dia ensolarado e encostado em uma árvore, estava Arthur. Corri ao seu encontro, mas quando me aproximei dele, fui despertada por uma forte tapa no rosto. A dor foi tamanha que acordei imediatamente. O sequestrador perguntou se eu estava com fome. Afirmei com a cabeça, ele tirou a fita da minha boca e colocou um pedaço de pão nela, engoli rapidamente e perguntei seu nome, por que estava fazendo aquilo comigo e há quanto tempo eu estava ali. A princípio ele não quis responder, mas disse que se chamava Michael Dawin, que eu estava ali fazia dois dias e que ele estava fazendo aquilo por pura inveja do amor que havia entre Arthur e eu, mesmo depois da morte do mesmo. Depois de responder ele tampou minha boca de novo sem dar tempo nem pra eu fazer outra pergunta, nem para gritar por socorro.
Naquele instante a chuva desabou, tentei me soltar, não sei como, mas as cordas estavam frouxas. Consegui me livrar dos nós, levantei depressa e corri desesperadamente, ele correu atrás de mim, gritando para eu parar ou ele atiraria. Com o medo rondando meu corpo, não dei atenção às suas palavras e continuei correndo gritando por socorro, logo em seguida ouvi um estampido, senti uma dor forte nas costas e percebi que ele tinha cumprido com a palavra. O tiro me acertou em cheio nas costas. Caí de joelhos no chão. Tudo ficou quieto e silencioso, não ouvia nem mais o barulho da chuva, nem seus gritos. As lágrimas caíram dos meus olhos com a facilidade que a chuva desmoronava em minha cabeça. Tudo foi escurecendo, fui perdendo as forças e quando estava quase deitada no chão, fui amparada pelos braços do meu amor. A escuridão foi total, exceto pela luz de grandes asas. Asas tão brancas como a neve. Seus olhos lacrimejavam de forma intensa, tentei o abraçar, mas não tinha forças. Então percebi que a força do nosso amor tinha o transformado no meu anjo da guarda, que ali estava, tentando, sem sucesso, me reanimar, embora trouxesse um conforto final. A escuridão foi completa e não sentia mais sua presença e nem mais sentia meu corpo, era como se meu corpo tivesse sido levado embora e só restado minha alma. Acordei com um cheiro conhecido, era o perfume de Arthur. Levantei e o vi. Como nos meus sonhos, ele estava encostado em uma árvore, corri em sua direção. Nós nos abraçamos, nos beijamos. Ele me disse que viveríamos juntos para sempre, que nosso amor nunca mais seria interrompido e que a partir daquele momento poderíamos, finalmente, construir nosso futuro.

Um comentário:

Anônimo disse...

interessante!!! vou adorar ler novas postagens